"O Menino e o velho: O milagre do amor"...!!!
Poeta
Cigano
O
Senhor Perácio, com 80 anos bem vividos, aposentado, vive com a esposa, a filha
e o neto, numa casinha num bairro operário da cidadezinha de Santa Cruz.
Nos
fundos do quintal, montou uma improvisada oficina de soldagens para fazer uns
biscates e completar a renda, além de se manter em atividade. Sempre falava
para dona Mercedes, sua esposa, que aquilo era o seu elixir da vida. Um modo de
ocupação do tempo.
Seu
neto Tiago, de apenas quatro aninhos, é a menina dos seus olhos e ele, além de
avô coruja, um emérito contador de histórias. Sempre estavam juntos. Amavam-se.
À
noite, após cada história, eles rezavam juntos e, ele só saía dali após o
netinho adormecer, quando o cobria e
apagava a luz.
-Sonhe com os anjinhos, meu
filhinho – Falava ele num sussurro em seu ouvidinho,
dando-lhe em seguida um beijo em sua face rosada, com um sorriso paternal.
A
filha ficara viúva muito cedo e fora morar com eles. Certo dia, o menininho foi
tomado por uma febre alta e incontrolável. Como os usuais medicamentos caseiros
não resolveram, tiveram que levá-lo às pressas para o único hospital da cidadezinha.
Após alguns exames, os médicos descobriram uma doença rara em seu organismo. Aí
foi uma choradeira geral.
Diante
daquela situação inesperada e emergencial, de imediato os médicos iniciaram o
processo de cura, utilizando-se dos mais diversos medicamentos, para combater a
infecção e baixar a febre. Não podiam perder mais tempo.
A
partir desse dia, muito desconsolado, o avô não desgrudava da cadeira ao pé da
sua cama na enfermaria. Com o livrinho
de história em suas mãos, o velho torcia para o netinho abrir os olhos e poder
ouvir as suas histórias. Com coração amargurado e ferido, ele forjava uma
alegria que não passava despercebido pelo garotinho. Já desperto, embora ainda muito sonolento, o
menininho olhou para o avô, que lhe disse:
-Meu filhinho, vovô chegou
e como sempre vai te contar histórias diferentes e divertidas. Só nós
conhecemos essas histórias. Somos sócios nesse segredo? Fechado?
O
garotinho quase num sussurro, ensaia um pequeno sorriso e responde lentamente:
-Fechado vovô! Não vou
contar pra ninguém nosso segredo. Nem pra mamãe nem pra vovó.
O
tempo passa e aquela rotina seguia seu rumo. Até que um belo dia, a equipe
médica resolve chamar e reunir a família para dar as boas novas. A infecção
acabara e, o menininho muito mais cedo do que era esperado, teria alta, o que
aconteceu dias depois. Já em casa, restabelecido, ele brincava, corria e já
fazia de tudo como antes.
Quando
tudo parecia correr às mil maravilhas, foi a vez do avô adoecer. Ele tinha há
algum tempo, um problema coronário que tentava esconder dos familiares. Logo
teve que ser internado também. Tiaguinho, inconsolável, passou a chorar pelos
quatros cantos da casa.
O
avô era tudo pra ele. Não podia ir ao hospital visitá-lo, porque a sua mãe ,
embora não falasse, não queria que ele visse o avô naquele estado.
A
sua doença era grave e o estava definhando. Mas o menino que era muito esperto,
um dia, conseguiu seguir a mãe às escondidas. Ouvira dentro de casa que o
quarto número 8 era o do avô e, como este o ensinara a contar até 10, seria
fácil localizá-lo.
Já
no local, se esgueirando pelas paredes, e pilastras, alcançou o primeiro andar
e logo avistou o número procurado. Numa correria desenfreada e, pegando a todos
de surpresa, ele adentrou o quarto e , quase sem fôlego, só parou à beira da
cama do avô, que, neste instante, estava acordado.
Com
o livrinho embaixo dos braços, ele falou com aquela vozinha chorosa e lágrimas
em seus olhinhos azuis:
-Vô, vô, vim te contar aquelas
histórias para você ficar bom também. Aquelas do nosso segredo que me curou,
lembra?
Ao
ouvir aquilo e, ver o netinho folhear aquele livrinho de história, sem ainda
saber ler, o ancião não resistiu e foi às lágrimas e, com os lábios trêmulos e
a face molhada, falou:
-Meu filhinho querido,
conte essa sua história tão linda e maravilhosa. Estou precisando muito dela.
Você vai me curar, Tiaguinho. Conte!
-Não, vô! Eu não vou curar
o senhor. Esqueceu? É a história. É ela que cura. A mesma que fez eu ficar bom.
Lembra? – Retruca o menininho exibindo aquele sorriso
inocente de felicidade, folheando as primeiras páginas do livreto, já narrando
ali as tais histórias.
A
mãe e a avó vendo aquela cena, choraram e viram que o menininho era necessário
ali.
Assim,
quando em suas novas visitas, passaram a trazê-lo.
Para
outra agradável surpresa, o velho melhorara consideravelmente, fato considerado
milagre para os médicos e, semanas depois já se encontrara em casa, se
restabelecendo.
Agora,
por imposição de Tiaguinho, passaram a se revezarem na contagem das histórias,
porque essas histórias, as do segredo, não o deixam adoecerem.
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“Poesias
do Poeta Cigano”
(Cantinho
do Poeta Cigano)